segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

O ITALIANO - CRÔNICA

Figura das mais queridas entre a minha turma, amigo íntimo do meu pai e conhecido até das novas gerações, caminhando todas as noites do Atlântida da Marilin até o fim da Avenida, sempre ao lado do Nico do Edmundo e acompanhado do seu indefectível rádio preto, o Jacques Chiacchio nos deixou muito cedo, há exatos dois anos.
Conhecido por seus hábitos estranhos, entre eles o de chamar cada amigo de “idiota”, o Jacques abandonou o Banco do Brasil lá pelo final dos anos 70, vendeu um campito que havia herdado, e, antes de completar 40 anos, se mandou pra Praia do Hermenegildo onde viveu por duas décadas, colecionando histórias e aumentando o seu conjunto de esquisitices.
Em vinte anos de praia, o italiano, com a pele de uma brancura que parecia talco, jamais pegou sol e entrou três vezes no mar, uma deles de sapatos; criou pingüim no inverno e um cachorro (cujo apelido era inútil) no verão, “colocou” um bar que não chegou a inaugurar, plantou tomates e pimentões que nunca comercializou e colecionou uma garagem inteira de sobras do oceano, que também não serviram pra nada.
Nunca chegou a concretizar o sonho de encontrar algum pedaço de armamento utilizado na chamada Guerra das Malvinas (arquipélago argentino tomado pelos ingleses no Atlântico, em 1982) e que pudesse ter sido trazido pelas correntes do vento sul até o Hermenegildo, o que todos diziam ser improvável, mas que ele garantia não só ser possível como certo, afinal: - “vocês não entendem nada de corrente marítima, idiotas!”
Pra compensar, lá no isolamento do ponto mais meridional do país, bebeu tudo o que podia, especialmente nos primeiros anos da sua chegada ao Hermena, ocasião em que ligou para um depósito de bebidas em Santa Vitória do Palmar e encomendou: “traz um caminhão de cerveja e não precisa contar as caixas, eu sei quantas são”, garantiu.
Mas o Jacques não era só folclore. Inteligente, possuía imensa bagagem cultural, pelos hábitos de leitura que cultivara desde muito cedo. O italiano era um teórico da vida e discussão garantida nas madrugadas.
Das suas diversas histórias, uma das mais comentadas é a da festa do Grêmio campeão brasileiro de 1981, quando ocorreu uma das maiores “carreatas” da historia do Arroio Grande, sendo que o protagonista foi muito mais o Lisca, primo do Jacques, do que o próprio italiano, como eu pude testemunhar.
Tremenda comemoração, carro pra tudo quanto é lado no Centro da cidade, nós na Variant azul do Jacques e, na esquina da Loja do Cláudio Silva, o Lisca inventa de soltar um foguete. Cigarro no estopim e... bum!!! O maior estouro dentro do carro, nos tapando na fumaça e deixando todo mundo tonto, sem enxergar nada. O Jacques se vira pra o Capitão e reclama, aos berros: - “Idiiiiiiiiiiiiota, com os vidros fechados, não!!!”. Ao que o Lisca, embora magoado porque o amigo lhe chamou a atenção, rebate serenamente: - “Oh, italiano, assim não dá, tás mui casmurro, uma festita maravilhosa e tu vais te preocupar com um detalhezito destes?!!”.

Pedro Bittencourt Jr.

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