segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

O ENTERRO DO DIABO - LEMBRANÇAS

O Basílio que eu conheci, no início dos anos setenta lá em Arroio Grande, era ainda funcionário do Banco do Estado até o dia em que deixou um bilhete em cima da mesa do gerente. - “O pássaro voou”, leram os colegas, e ficaram contando dinheiro enquanto ele saía pra contar estrelas.
Uma década depois, no apartamento da Cohabpel, atendo o telefone e a voz no outro lado irrompe em plena meia-noite: “Diabo, me classifiquei, vem pra cá, vamú cume elas tudo, é bucha! diz o “loco”, lá de Santa Rosa, do primeiro Musicanto, onde a poética de “Uma canção pra minha prenda” marcaria a sua arrancada numa trajetória que se tornaria referência em toda a Zona Sul.
Realmente, os “versos tortos” feitos pra lembrar, e que ele esqueceria na hora da gravação, pra desespero do produtor do disco lá no festival, seriam uma mudança na vida do “Diabo”, que era como nós nos chamávamos enquanto ouvíamos antigas composições – Groenlândia, América, Delírio... – arriscando novas parcerias – Mulheres de Argentina, Lacaio... – na época em que ficamos até três dias sem dormir compondo em grupo a desconhecida Vagavida (quando eu me indago/que coisas que eu trago/pra o mundo/ninguém me responde/o quanto se esconde/num vagabundo) para, depois, no meio da apresentação o Basílio interromper a canção e gritar: - “Não tem recurso!”, parando a música, parando a mostra, num ataque frontal ao convencionalismo do público.
O Basílio que eu conheci era um gênio louco, rejeitado na terra natal que hoje o reverencia, dando o seu nome ao Centro de Cultura local. Era um Diabo que infernizava a cidade (“ainda prefiro a flor do campo e esta negra solidão”) na inquietude de um tempo que haveríamos de modificar sem, entretanto, nem saber pra onde...
O Diabo que eu conheci teve um dia que partir, e ficou em silêncio na hora da reza dos hipócritas, frente a canalha que compareceu ao seu enterro, pra explodir numa sonora gargalhada quando uma troupe de borrachos voltou de madrugada lhe oferecendo em serenata uma última cerveja e as definitivas carteiras de Marlboro.
Ali sim estavam os verdadeiros amigos, os insanos, os dementes, que serviam de respiração ao artista maldito.
Ali também eu tive a certeza de que alguma coisa terminava pra dar início a algo completamente novo.
Porque ali, no enterro do Diabo, morria o homem pra nascer o mito, esse Basílio de que a gente hoje ouve falar mas ainda vai ter que aprender a conhecer...

Pedro Bittencourt Jr.

Um comentário:

nath marques disse...

EU CONHECI O DIABO AINDA CRIANÇA , UM DIABO QUE NÃO PUNHA MEDO,APENAS FASCINIO...
PARABÉNS JUNINHO, ME EMOCIONEI COM ESSE TEXTO SÓ QUEM TEVE A OPORTUNIDADE DE OUVIR O BASILIO NA TOP SET ,MESMO QUE NO MEU CASO ENTRE UM SORVETE OU UM CHOCOLATE SABE QUÃO FANTÁSTICO ERA AQUELE SER HUMANO....E QUE AS HISTÓRIAS DO MEUS PAIS E DOS MEUS AMIGOS POSSAM SEMPRE SER PASSADAS DE GERAÇÃO EM GERAÇÃO ASSIM O MEU FILHO TAMBÉM VAI TER A OPORTUNIDADE DE SABER QUE O ARROIO GRANDE TEVE UM GENIO FANTASTICO...